Atenção: A matéria abaixo foi publicada no site da revista Galileu, e reflete uma opinião do autor.
Para a maioria das pessoas, soa como loucura dizer que os Beatles destruíram o rock'n'roll. Isso acontece porque a história da música é contada por fãs, que normalmente a tratam como a história do que eles gostam, e não do que realmente aconteceu. Esses fãs tratam o mainstream como lixo cultural. Na maioria do tempo, eu concordo com eles, prefiro ouvir Louis Armstrong a Paul Whitman. Mas sei que não podemos entender a música de alguém como Armstrong a menos que entendamos o mundo em que ele vive. Além disso, todos os artistas que hoje louvamos não fugiam do mainstream, mas tentavam loucamente fazer parte dele.
Você pode até não gostar, mas, se quiser entender qualquer tipo de música popular, deve prestar atenção no que fazia sucesso. Se quiser entender o que rolava, você vai precisar falar da dança e da tecnologia. Foram eles que realmente moldaram a indústria da música desde a sua criação. E, sob essa ótica, temos como ver onde os Beatles destruíram o que era feito antes.
Antes de John, Paul, George e Ringo, a dança era a coisa mais importante na história da música. Todas as mudanças de ritmo musicais foram guiadas por pessoas que queriam novos estilos de dança. A vontade dos dançarinos era mais respeitada e ouvida que a dos próprios músicos. Vejam o twist, por exemplo. Nos Estados Unidos, ele significou o fim de todos os estilos de música anteriores. De repente, o twist permitia que você dançasse de um novo jeito quase todos os tipos de música. E os antigos estilos se transformaram em coisa de nicho, de minoria. A maioria sempre foi guiada para onde a dança a levou.
Outra coisa que guiou a história da música é a tecnologia de gravação. Hoje, quando pensamos em música, automaticamente imaginamos suas versões gravadas. Mas nem sempre foi assim. Durante muito tempo, o mais importante era a execução ao vivo. Até a década de 60, quase todos os bons músicos tocavam ao vivo, e as gravações eram só um registro que você levava pra casa.
Novamente, os Beatles representaram uma mudança nessa visão. Eles foram a primeira banda de sucesso a parar de fazer shows e só se importar com as gravações em estúdio. Isso teve um impacto imediato, levou as gravações a dominarem o mercado, fez as pessoas vê-las como o que havia de mais importante na música. É um processo que já estava acontecendo, mas foi com os Beatles que os shows ficaram em segundo plano.
O aspecto no qual os Beatles tiveram influência decisiva foi em tirar a dança do rock e, consequentemente, em transformar o estilo numa música exclusivamente branca. Antes dos Beatles, o rock era música de negro ou, no máximo, uma mistura. Depois deles, você pode contar nos dedos das mãos o número de estrelas negras do rock. Isso aconteceu porque, nos anos 60, a molecada a fim de dançar já começava a se interessar por outros ritmos negros, como o que vinha da gravadora Motown e outros tipos de soul. Como as bandas inglesas ainda tocavam no ritmo do velho rock'n'roll dos anos 50 e não conseguiam concorrer com os bateristas e baixistas do funk, retiraram o rock da música dançante.
O que foi uma completa surpresa, porque o rock sempre havia sido uma música para adolescentes chacoalharem o esqueleto. Depois dos Beatles, virou música para ouvir. Você não via pessoas dançando em shows dos Sex Pistols ou do Velvet Underground. No máximo pulando e chacoalhando as cabeças. Quem estava interessado em música dançante procurou outros ritmos, como a soul music, o disco e o funk.
Outra consequência disso foi que os Beatles afastaram as mulheres do rock. Nos velhos shows da década de 50, o público feminino era enorme. Também, pudera, a decisão sobre o que dançar sempre coube às mulheres. Vejam o que aconteceu com o jazz quando ele deixou de ser dançante: perdeu o público feminino.
O mesmo aconteceu com o rock depois do Beatles. É só ir a um show de punk e ver que há uma mulher para cada dez homens. Mas lembre-se, não estou dizendo que isso foi necessariamente ruim. A destruição do rock foi boa para muitas pessoas. Se você prefere a música de Woodstock ao que era tocado nos shows da década de 50, sorte sua. Agora, se você gostava mais de Chuck Berry do que do The Who, culpe os Beatles.
Prefiro The Who.
ResponderExcluir